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Entrevista Gastão Wagner


Data de publicação: 
 01/09/2015, na Revista Radis

“O SUS não é cachorro morto”


Se o momento é de “crise no SUS”, a receita do presidente eleito da Abrasco, Gastão Wagner, é a reconstrução do movimento sanitário, de modo a impedir as ameaças ao direito à saúde e a outros pilares da cidadania e da democracia. “Nosso papel é forçar a transferência de recursos e de políticas para recolocar o ser humano no centro da vida”, diz o professor de Medicina Preventiva e Social da Universidade Estadual de Campinas em entrevista à Radis, em um intervalo do Abrascão.
 
Você tem usado o termo “crise no SUS”. Como reverter essa crise diante da expansão do mercado sobre a saúde, com entrada do capital estrangeiro e a PEC 451?
O Márcio Pochmann [pesquisador da Unicamp] estava apontando a composição do Congresso (2/3 de empresários, 1/3 ligado ao agronegócio e não às lutas urbanas), muito conservadora. Eles estão fazendo uma desconstrução da Constituição de 1988. Estão atacando item por item os pilares da cidadania e da democracia, inclusive o direito à saúde. As concessões ao capital estrangeiro, a obrigatoriedade de empresas garantirem plano de saúde a todos que têm carteira assinada, são ideias que atentam contra a política pública, a política social. Mas o SUS é muito importante para a vida da maior parte da população brasileira. Temos milhões deTRABALHADORES ligados ao SUS. Além disso, muita coisa deu certo! Saúde mental, atenção básica, transplantes, tratamento do câncer… Enfim, não somos cachorro morto! Nós temos uma capacidade de reação muito grande.
Diante desse cenário, quais os principais desafios para a saúde coletiva?
O principal desafio é a reconstrução do movimento sanitário, a gente aumentar a nossa capacidade de mobilização, de pressão, de negociação e de proposição das forças que defendem o direito à saúde, o direito ao SUS. Isso implica uma articulação nossa, o pessoal da Saúde, com outras lutas sociais: a luta pela reforma urbana, por transporte, por segurança pública. A gente também deve conseguir uma interlocução para constranger, obrigar, empurrar os governantes, o Congresso a voltar a ter uma articulação com a população. 
 
Quais são os temas do Congresso da Abrasco que já sinalizam para a 15ª Conferência Nacional de Saúde?
A discussão sobre financiamento já foi articulada com o Conselho Nacional de Saúde. A Carta da Abrasco também mira nessa direção. O Jairnilson Paim [professor da Universidade Federal da Bahia] falou que nós estamos perdendo de 7 a 1 para o capital, para o conservadorismo, e o “um” vai depender do que fizermos na conferência. Eu diria que está 7 a 2, 7 a 3... Estou um pouco mais otimista (risos). As conferências de saúde têm sido a síntese de vários movimentos sociais que têm prioridades diferentes, mas que têm que compor para conseguir efetividade política, pressionar os governos, parlamento, influenciar a sociedade civil. Espero que a conferência tenha novamente esse papel de criar uma plataforma de direitos sociais e de direito à saúde que nos unifique.
 
O pesquisador Carlos Morel [do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz] alertou sobre o caráter condicionante da saúde para o desenvolvimento. Qual a sua opinião sobre o assunto?
O desenvolvimento não pode ser contra a saúde. Há uma certa posição ingênua, que vê um ciclo virtuoso, que qualquer crescimento econômico vai redundar em bem-estar social, inclusive em saúde. Não é verdade. O crescimento econômico pode redundar em destruição do meio ambiente, da natureza, em ameaças aos direitos sociais, em formas contemporâneas de exploração do trabalho e do trabalhador. O desenvolvimento precisa estar articulado com o ser humano. Não podemos calcular desenvolvimento somente por indicadores econômicos, do capital ou mesmo do orçamento público: inflação, crescimento do PIB. Temos que medi-lo por índices de desenvolvimento humano, de acesso à saúde, de esperança e de qualidade de vida, aumento da distribuição de renda, humanização das cidades, ocupação urbana saudável. Essa relação entre desenvolvimento e saúde só é positiva e virtuosa se houver luta social contra interesses privados, que não têm limite para garantir o crescimento de sua riqueza, de seu poder econômico e político. Nosso papel é forçar a transferência de recursos e de políticas de maneira a recolocar o ser humano no centro da vida. Se não, não há sentido para o desenvolvimento.
 
Sua chapa, que venceu a eleição da Abrasco, falava em um sistema nacional de avaliação independente do SUS. Como ele funcionaria?
O SUS tem feito muitas avaliações. Acho importante termos uma entidade da sociedade civil — e a Abrasco não é uma entidade governamental — que faça uma avaliação na perspectiva das necessidades de saúde. É um instrumento de defesa da cidadania, mas ao mesmo tempo de apontar prioridades, problemas e caminhos. A gente quer uma avaliação polifônica, valorizando a opinião do usuário, em uma perspectiva qualitativa. Vamos ver se conseguimos criar uma narrativa com vários enfoques, e ter um discurso tanto para a sociedade como para a área científica, produzir ciência e ao mesmo tempo diálogo com os vários setores da sociedade civil. Nós queremos sacudir as instituições científicas e fazer política no concreto. Para que a gente não fique apenas gritando por mais recursos, mas possa apontar onde queremos. (ADL e BD)

Autor: 
 Adriano De Lavor, Bruno Dominguez e Luiz Felipe Stevanim

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