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Texto retirado do livro "Direitos Humanos e Práxis. Experiências do CRDH/RN".

Gostaríamos de agradecer as autoras Ana Karenina e Maria Teresa pela grande contribuição para com o controle social e demais segmentos da sociedade na luta antimanicomial.


SAÚDE MENTAL, LUTA ANTIMANICOMIAL E DIREITOS HUMANOS NO 
CONTEXTO POTIGUAR: POR OUTRAS SENSIBILIDADES

Ana Karenina de Melo Arraes Amorim 1
Maria Teresa Nobre 2

Introdução
Para começar, escutemos algumas vozes:
O  hospício  de  alienados,  sob  o  amparo  da  ciência  e  da  justiça,  é 
comparável  aos  quartéis,  aos  cárceres,  às  penitenciarias  (...). 
Afirmamos  que  grande  parte  de  seus  internados  --  completamente 
loucos  segundo  a  definição  oficial  --  estão  também  reclusos 
arbitrariamente.  (...)  A  repressão  das  reações  anti-sociais,  em 
principio, é tão quimérica como inaceitável. Todos os atos individuais 
são anti-sociais. Os loucos são as vitimas individuais por excelência 
da ditadura social (ARTAUD, 1975)3

Somos currados em todos os direitos, pela omissão social e desleixos 
profissionais  dos  que  nos  usam  como  cobaias  humanas  em  suas 
prisões  intituladas  instituições  psiquiátricas.  Tiram-nos  a  razão, 
transformam-nos  em  bestas  humanas,  não  sabemos  mais  quem 
somos e o que somos, na forma de uma dupla prisão: física e química 
(BUENO, 2001). 4

Quase  quarenta  anos  nos  separam  destas  vozes  antimanicomiais  que denunciam as graves violações que em todo o mundo sofreram e ainda sofrem milhões de pessoas portadoras de transtornos mentais graves. Antonin Artaud, dramaturgo francês, intelectual que redefiniu o teatro  contemporâneo  com sua obra, morreu num manicômio francês. No entanto,  teve  seu grito escutado em movimentos de reforma psiquiátrica que se produziram a partir da década de 1960  na  Europa  e  da  década  de  1970  no  Brasil  e  outros  países  latino americanos.  Austragésilo  Carrano  Bueno,  escritor  curitibano,  ficou  conhecido por  sua  obra  “O  Canto  dos  Malditos”,  construída  a  partir  das  vivências  demaus-tratos e  tortura em manicômios  brasileiros nos anos de 1970 em plena ditadura  civil-militar.  Tal  obra  inspirou  o  filme  “Bicho  de  sete  cabeças”  que revela  de  forma  contundente  as  diversas  e  perversas  violações  de  direitos humanos sofridas por milhares de pessoas em território nacional. Carrano foi a primeira  pessoa  no  Brasil  a  mover  uma  ação  indenizatória  por  erros  de diagnóstico,  tratamentos  torturantes  e  crimes  contra  médicos  psiquiatras,  em 13 de maio de 1998.  Depois de suas duras vivências no manicômio, Carrano passou  a  integrar  a  luta  antimanicomial  brasileira  da  qual  foi  um  dos  seus protagonistas.  Dentre  muitos  outros  que  se  tornaram  ícones  desta  luta  no Brasil, destacamos a ação do “Grupo Tortura Nunca Mais” que desde o período da ditadura civil-militar se constitui como espaço de denúncia contra a violação de direitos humanos e de luta pela redemocratização do país.
Inspiradas  nestas  figuras  notáveis  e  em  suas  ainda  atuais  vozes antimanicomiais,  discutimos  aqui  brevemente  algumas  questões  atuais  no campo  da  saúde  mental  e  da  luta  antimanicomial  em  sua  interface  com  os Direitos  Humanos a partir das demandas  atendidas  pelo Centro de Referência em  Direitos  Humanos  da  Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Norte (CRDH-  UFRN).  Quais  as  violações  ainda  acometem  pessoas  portadoras  de transtornos mentais (“loucas, segundo a definição oficial”)? A internação ainda é  arbitrária  e  tem  caráter  punitivo  em  sua  “dupla  face”?  Se  sim,  estamos omissos em relação a essas  práticas e violações?  E o Estado Brasileiro, como atua em relação a isso?
Para discutir tais questões, partimos do entendimento de que o s Direitos Humanos  não  devem  ser  tomados  como  verdades  universais,  naturais  e absolutas  que  devem  conduzir  a  todos  em  qualquer  contexto.  Contra  essa concepção  naturalizante,  segundo  Coimbra  (2004),  deveríamos  tentar  forjar uma  “certa  fisionomia  para  os  Direitos  Humanos”,  distanciada  daquela hegemônica  que os vê como valores a-históricos e eternos. Uma  “nova  cara” para  os  direitos  humanos  deveria  ser  caracterizada  pela  capacidade  de produzir hesitações, quebrar certezas e verdades diante de inúmeras  práticas cotidianas  de  violação  de  direitos  com  as  quais  convivemos  cotidianamente, sem  nos  darmos  conta,  porque  a  elas  nos  acostumamos,  sem  perceber. Indignação e estranhamento  como  vetores  dessas novas  práticas  podem nos tornar  capazes  de,  como  aponta  Foucault  (2003,  p.347) “escamar evidências ou  lugares  comuns,  no  que  se  refere  à  loucura,  à  normalidade,  à  doença,  à delinquência,  à  punição”;  é  aquilo  que  nos  move  para  que  algumas  coisas mudem  de  lugar,  se  movam  em  outras  direções,  desestabilizem  certezas  e esfarelem  continuidades.  Isso  implica,  entre  outras  ações,  a  construção  de novos  modos  de  operar políticas  públicas  que  se  pretendem  garantidoras de 
direitos  humanos,  na  conjuntura  de  um  estado  neoliberal,  em  um  mundo globalizado.
O desafio atual  neste campo  parece ser o de pensar direitos humanos não  como  uma  essência  universal  do  humano,  mas  como  “modos  de sensibilidade,  diferentes  modos  de  viver,  pensar,  perceber,  sentir,  enfim, diferentes  jeitos  de  estar  e  existir-no-mundo”  (COIMBRA;  LOBO; 
NASCIMENTO,  2009,  p.  37).  A  invenção  de  outras  sensibilidades,  de  outros modos de estar no mundo diante das diferenças torna-se fundamental  junto a criação de formas de resistência a reprodução de violações de direitos. Isso por que temos sido convocados a atuar frente a demandas que insistentemente se repetem,  mesmo quando há aparatos estatais, jurídicos e legais que deveriam 
garantir  direitos  a  certos  atores  e  grupos  sociais  historicamente  violentados como é o caso dos portadores de transtornos mentais. 
No campo da saúde mental,  tem-se há  mais de dez anos o marco legal da  promulgação  da  Lei  Federal  10.216  que  dispõe  sobre  a  proteção  dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental no Brasil  em substituição ao Decreto 24.559, de 1934, que dispunha “sobre a assistência e proteção à pessoa e aos bens dos psicopatas”  e  que,  dado  seu  anacronismo,  era  cheia  de  inadequações  e incoerências  acumuladas  diante  dos  quase  cem  anos  de  avanço  do conhecimento  nas  ciências  médicas,  sociais  e  humanas,  além  de  todo  o processo de redemocratização e desconstrução paradigmática  no país que ela atravessou.  Para  muito  aquém  disso,  a  legislação  em  vigor  reduzia  a assistência aos chamados doentes mentais -, salvo em casos extraordinários  -, à sua reclusão em asilos manicomiais, não raramente comparados “campos de concentração nazista” (Basaglia, 1979; Arbex, 2013), pela crueldade, abandono e  negligência  aos  pacientes,  práticas  essas  ancoradas  numa  ordem  médica centrada em relações de poder e saber que aliavam imagens de infantilização e periculosidade do louco, à sua incapacidade de decidir sobre sua vida, de ter e realizar desejos e de viver inserido na sua família e comunidade. 
Assim, a lei atual traz inúmeros avanços e possibilitou que efetivamente a política de reforma psiquiátrica fosse instituída  e o modelo assistencial fosse reorientado no sentido da atenção psicossocial, a partir da extinção progressiva dos manicômios e pela implantação de serviços substitutivos de base territorial. Importa  ressaltar  que  tal  política  foi  construída  com  base  nos  princípios  da universalidade e integralidade da atenção em saúde e respeitando os princípios 
constitucionais  do  Estado  brasileiro  como  livre,  equânime  e  democrático.  No entanto, sabemos que a referida lei e a instituição da política nacional de saúde mental  ficou  muito  aquém  das  proposições  do  movimento  social  de  luta antimanicomial,  sobretudo  no  que  se  refere  à  extinção  de  hospitais psiquiátricos e não abertura de novos leitos em território nacional. 
A  Política  Nacional  de  Saúde  Mental  aponta  para  a  necessidade  de superação  do  modelo  manicomial,  centrado  no  hospital  psiquiátrico,  e  no desenvolvimento de novos dispositivos assistenciais voltados para promover a desinstitucionalização  e  a  efetiva  reintegração  social  de  pessoas  com transtornos  mentais.  Neste  sentido,  medidas  têm  sido  tomadas  para  a estruturação  uma  rede  de  atenção  psicossocial  que  resgate  o  princípio  de integralidade do SUS, rompendo com a perspectiva hospitalocêntrica anterior. Além disso, existe a consciência de que estes são problemas complexos que exigem  uma  perspectiva  multidisciplinar  para  a  sua  compreensão  e  ações multiprofissionais e intersetoriais, que transcendem  o Sistema Único de Saúde (SUS).
Nos  mais  de  20  anos  da  criação  do  SUS,  entre  ganhos,  desafios  que ainda persistem  e evidentes crises  estruturais e de funcionamento,  é possível perceber a reversão do modelo de atenção à saúde, de modo geral, e a partir de 2001, também em relação à assistência  à saúde mental, em particular. Esta tem se implementado  através da redução dos leitos em hospitais psiquiátricos 
e da implantação de uma  rede de cuidados em saúde mental. Esta teria como porta  de  entrada  principal  as  Unidades  Básicas  de  Saúde/Saúde  da  Família, contando também com serviços substitutivos de natureza especializada, como as diferentes modalidades de Centros de Atenção Psicossocial-CAPS (portaria nº  336/GM/2002),  as  residências  terapêuticas  (SRTs),  os  ambulatórios  de saúde  mental  e  os  centros  de  convivência  e  cultura.  Como  dispositivos assistenciais importantes na política de álcool e outras drogas foram criados os CAPS AD e, mais recentemente, os CAPS AD III (Portaria MS 2.841/2010) e as Unidades  de  Acolhimento  (Portaria  MS  Nº  121,  de  25  de  Janeiro  de  2012). Estas  últimas  são  destinadas  a  oferecer  acolhimento  voluntário  e  cuidados contínuos para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool 
e  outras  drogas,  em  situação  de  vulnerabilidade  social  e  familiar  e  que demandem acompanhamento terapêutico e protetivo, garantido os direitos de moradia, educação e convivência familiar e social.As  ações  voltadas  para  a  atenção  aos  usuários  de  álcool  e  outras drogas,  com  especial  destaque  para  o  crack,  ganham  relevância  na  política nacional de saúde mental atual e nas políticas intersetoriais do governo federal. Nesta direção, destacam-se a implantação do Plano Emergencial de Ampliação do  Acesso  ao  Tratamento  e  Prevenção  em  Álcool  e  outras  Drogas  no  SUSPEAD  (portaria Nº 1.190/GM/2009),  e o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack  e  outras  Drogas  (Decreto  nº  7.179/2010).  Além  disso,  a  partir  destes planos  há  a  implantação  de  mais  um  dispositivo  de  cuidado  que  são  os consultórios  de  rua (instituídos e regulados, respectivamente, pela  Portaria nº 122, de 25 de janeiro de 2011 e pela portaria nº 123, de 25 de janeiro de 2012), mais recentemente convertidos em consultórios na  rua ampliando seu espectro de ação para questões de saúde para além da saúde mental e vinculados ao território e Unidades Básicas de Saúde (definidos pela portaria nº 122, de 25 de Janeiro de 2011).
Apesar  destes  avanços  e  cenários  político  atual  de  investimentos  no campo da saúde mental,  quando nos voltamos, mais especificamente, para  a atenção  psicossocial  no  contexto  potiguar,  observamos  que  uma  série  de violações  de  direitos  dos  portadores  de  transtornos  mentais  ainda  tem  lugar, sobretudo por parte do Estado, das instituições públicas de saúde e assistência social. E é sobre estas violações que lançamos nossos olhares.
O que vimos e ouvimos?
Sabemos  que  historicamente  as  pessoas  portadoras  de  transtornos mentais,  sobretudo,  aqueles  considerados  graves  e  que  comprometem  a funcionalidade  na  vida  produtiva  dentro  do  sistema  capitalista,  sofrem sucessivos  e  violentos  processos  de  exclusão  social  que  ainda  têm  no manicômio seu dispositivo principal. Isto porque a atenção à diferença que esta realidade  convoca  exige  o  enfrentamento  cotidiano  e  insistente  da desigualdade  social,  da  opressão,  da  violência  e  de  múltiplas  formas  de dominação  e  exploração  produzidas  no  mundo  capitalista  contemporâneo. Diante disso, o que temos visto e ouvido? O que se configura como demandas atuais na interface saúde mental e direitos humanos no contexto potiguar?

O CRDH constituiu-se como  espaço para escuta  e encaminhamento  de denúncias  de  negligências  e  maus-tratos,  cárceres  privados,  internações involuntárias e violentas,  falta de acesso à educação, à saúde e ao trabalho, condições subumanas de internação em  hospitais de custódia  contra pessoas 
portadoras  de  algum  tipo  de  transtorno  mental  e  ou  sofrimento  psicológico grave. Atendemos basicamente três ordens de demandas neste contexto: 1) de usuários da rede SUS e SUAS e seus familiares em suas queixas e busca por garantia de direitos; 2) de representantes de movimentos sociais e instituições preocupadas com a situação do sistema prisional e, sobretudo, com a situação 
das  unidades  de  custódia  e  tratamento  voltadas  para  pessoas  portadoras  de transtornos mentais que cometeram delitos; e 3) pessoas em situação de rua e pessoas  preocupadas  com  estas  em  sua  condição  de  vulnerabilidade, sobretudo  seu  estado  de  saúde  que  frequentemente  envolve algum  tipo  de problema  em  saúde  mental,  notadamente,  quadros  psicóticos  e  quadros associados ao uso abusivo de álcool e outras drogas.
A  partir  da  primeira  ordem  de  demandas,  é  possível  pensar  sobre  a necessidade  de  analisar  o  cenário  atual  da  saúde  mental  e  atenção psicossocial  no  contexto  potiguar.  Após  anos  de  uma  má  administração pública, quadro grave de corrupção na prefeitura municipal de Natal e falta de concursos  públicos  e  precarização  do  trabalho,  as  pastas  da  saúde  e  da assistência  social enfrentam  inúmero problemas.  No  campo da  saúde mental especialmente  tem-se  inúmeras  conquistas  frutos  do  movimento  de  reforma psiquiátrica local que constituíram uma rede de atenção psicossocial que conta hoje  com  cinco  Centros  de  Atenção  Psicossocial  (em  suas  diversas modalidades,  CAPS  II,  CAPS  infantil,  CAPS  AD  e  CAPS  III),  dois  Serviços Residenciais  Terapêuticos  (SRTs),  um  ambulatório  de  saúde  mental,  duas equipes  de  Consultório  de  Rua5,  além  dos  diversos  equipamentos  de  saúde que configuram esta rede. No entanto, apesar da existência de vários  serviços encontramos um cenário problemático que envolve grave desestabilização do vínculo  usuário-rede  de  serviços,  espaços  mínimos  de  reflexão  sobre  as práticas  (não  há  supervisão  clínico-institucional  há  mais  de  dois  anos),  os movimentos sociais no campo estão desarticulados e muito enfraquecidos, as transformações  necessárias  no  processo  de  trabalho  para  que  esta  rede funcione  não  se  operam,  os  trabalhadores  afirmam  estarem  desmotivados  e em situação de precarização paralisante, os usuários e  familiares clamam por mudanças,  mas  não  se  sentem  fortalecidos  para  fazer  os  enfrentamentos políticos-institucionais  necessários  e  há  ausência  de  políticas  efetivas  e contínuas  de  educação  permanente em  saúde, o  que  impede  a  produção  de novos referenciais de pensamento sobre o campo e suas práticas pelos atores diretamente envolvidos. 
Em função deste cenário, o CRDH tem se convertido como um espaço que  acolhe  queixas  e  demandas  de  usuários  e  familiares  e  tem  tentado rearticular  os  movimentos  sociais  de  luta  antimanicomial  no  sentido  de constituir  o  fortalecimento  destes  atores  no  campo,  fomentando  seu protagonismo  e  autonomia,  incentivando  o  associativismo,  a  participação  e  a organização  política.  No  entanto,  este  é  um  processo  que  tem  se  revelado difícil dadas as complexas demandas de ordem social, econômica e mesmo da fragilidade  da  saúde  destes  atores  que  torna  sua  participação  nos  espaços coletivos  descontínua  e,  muitas  vezes,  tutelada  por  seus  familiares  e profissionais da rede (ARRAES; DIMEINSTEIN; SIQUEIRA; VIEIRA; ARAÚJO, 
2012).
Em  relação  a  segunda  ordem  de  demandas,  o  CRDH  tem  escutado  e recebido pesquisadores e representantes de movimentos sociais e instituições preocupadas com a situação do sistema prisional e, sobretudo, com a situação das  unidades  de  custódia  e  tratamento  voltadas  para  pessoas  portadoras  de transtornos mentais que cometeram delitos e  com o cenário relatado por estes atores  que  envolvem graves violações de direitos. A equipe pôde realizar uma visita a uma destas unidades e fez um relatório a respeito que foi encaminhado as instituições públicas competentes. O cenário encontrado envolvia condições insalubres,  falta  de  profissionais  de  saúde,  histórias  de  agressões  entre internos e entre estes e os agentes responsáveis por sua segurança e, o mais grave, a manutenção da condição prisional de alguns internos que já haviam cumprido pena e em que sua condição de alta já estava garantida, por falta de suporte  social  para  a  liberdade  (fragilidade  ou  inexistência  de  vínculos familiares,  falta  de  recursos  financeiros,  falta  de  acesso  a  educação  e  ao trabalho,  etc.).  Atualmente,  o  CRDH  segue  atento  aos  encaminhamentos destes  casos  e  apóia  um  projeto  de  desinstitucionalização  que  está  em construção.  O  desafio  aqui  colocado  está  no  fato  de  que  apenas  muito recentemente a questão do sistema prisional em su a interface com a saúde e os  direitos  humanos  tornou-se  pauta  de  uma  política  pública,  a  chamada “Política  Nacional  de  Saúde  no  Sistema  Prisional”  (instituída  pela  portaria interministerial nº 1, de 2 de Janeiro de 2014) , cujos efeitos e análise do  seu alcance ainda estão por vir.
Quando se  trata  de pessoas em situação de rua o quadro  é  ainda mais grave, uma vez que, não apenas foram constatadas violações, como  também a enfática  negação  de  direitos  por  parte  de  equipamentos  do  Estado, caracterizando-se  como  violência  institucional,  expressa  pela  infração  ou omissão  de  garantia  de  direitos.  Negação  de  acesso  a  serviços  de  saúde, educação,  assistência,  entre  outros,  o  que  implica  na  maioria  das  situações acompanhadas em severas restrições das possibilidades de viver na cidade e a ruptura radical com o estatuto da cidadania.  Diante das freqüentes  denúncias que  chegavam  ao  CRDH,  a  equipe  instituiu  a  prática  de  visitas  as  áreas  de concentração de pessoas em situação de rua, numa parceria produtiva com as 
equipes  de Consultório de Rua, e tem tentando encaminhar alguns dos casos em  pauta.  A  ação  mais  consistente  possível  foi  o  fomento  à  organização política e social das pessoas em situação de rua, notadamente os moradores de rua, a partir da realização  do I Seminário Potiguar de Pessoas em Situação de  Rua,  em  2013,  que  contou  com  a  participação  de  representantes  do Movimento  Nacional  de  População  de  Rua  (MNPR)  que  estimulou  a organização  de  representação  do  RN.  No  entanto,  também  apenas  muito recentemente  é  que  uma  política  pública  de  fato  tem  se  constituído  voltada para  este  segmento  da  população. Através  do  Decreto  nº. 7053/09,  da  Casa Civil  da  Presidência  da  República,  é  instituída  a  Política  Nacional  para  a Inclusão da População de Rua.  A partir desta política coloca-se como  possível a  constituição  de  aparatos  institucionais  que  atendam  as  necessidades  e demandas  desta  população,  bem  como  contribuam  com  a  garantia  dos  seus direitos que historicamente tem sido violentada e esquecida pelo Estado.
As questões relativas à população em situação de rua estão diretamente relacionadas  com  a  atual  visibilidade  em  torno  do  crack.  Temos  como  pauta nacional, tanto em âmbito governamental, como em âmbito midiático em ampla escala,  a  discussão  das  questões  relativas  ao  crack  e  as  atuais  medidas governamentais relativas ao tema.  A principal questão em pauta atualmente e que  diz  respeito  diretamente  a  preocupações  relativas  aos  direitos  humanos refere-se a prática de internação involuntária de pessoas  em situação de rua consumidoras de crack, que tem sido instituída por alguns governos estaduais e  municipais  brasileiros.  Tal  política  consiste  na  atuação  de  equipe multiprofissionais que vão as ruas e tentam convencer usuários de crack  que nelas  se  encontram  a  serem  tratados  em  unidades  de  acolhimento  ou  em comunidades  terapêuticas.  Em  algumas  situações,  quando  o  usuário  não consente  em  ir  com  a  equipe,  o  mesmo  é  levado  involuntariamente  sob  o argumento de que não está em condições de decidir sobre a própria vida em função dos efeitos das drogas.  Tal prática é, em certa medida, estimulada pelo governo federal quando passa a financiar leitos em comunidade terapêuticas, que são instituições de isolamento, de natureza filantrópica, em sua maior parte vinculada  a grupos religiosos, e não se caracterizam como serviço de saúde, uma  vez  que  não  tem  necessariamente,  uma  equipe  de  saúde  com profissionais  competentes  e  contratados  para  a  atenção  a  pessoas  com problemas  decorrentes  do  uso  de  drogas.  Tal  iniciativa  do  governo  federal gerou uma série de debates em torno da legimitimidade e contradição desta em relação a política de atenção psicossocial já instituída que prima pelo cuidado em  liberdade  e  oferece  diapositivos  sanitários  e  territoriais  para  os  mesmos 
fins.  Além  disso,  o  Conselho  Federal  de  Psicologia  realizou  uma  inspeção nacional em instituições de isolamento para tratamento psiquiátrico, dentre as quais hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas e clínicas psiquiátricas com leitos SUS e constatou graves violações aos direitos humanos  e civis, tais como:  a  interceptação  e  violação  de  correspondências,  violência  física, castigos,  torturas,  exposição  a  situações  de  humilhação,  imposição  de credo  religioso,  exigência  de  exames  clínicos,  como  o  teste  de  HIV  − exigência esta inconstitucional −, intimidações, desrespeito à orientação sexual,  revista  vexatória  de  familiares,  violação  de  privacidade,  entre outras (CFP, 2011).
Para além dos atravessamentos políticos que conduziram os governos a estas iniciativas e a manutenção de instituições claramente manicomiais, o que está em pauta é a violação dos  direitos  e, sobretudo, do direito ao cuidado em liberdade.
Aqui  cumpre  esclarecer  que  a  internações  psiquiátricas  e  seu  caráter involuntário ou não, são definidas na mesma lei 10.216 (que instituiu a Reforma Psiquiátrica)  que  garante  os  direitos  das  pessoas  portadoras  de  transtornos mentais.  Tal  lei  define  as  modalidades  de  internação,  bem  como  suas justificativas. No parágrafo único do artigo 6º define -se que:
“São  considerados  os  seguintes  tipos  de  internação 
psiquiátrica:
I  –  internação  voluntária:  aquela  que  se  dá  com  o 
consentimento do usuário;
II  –  internação  involuntária:  aquela  que  se  dá  sem  o 
consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e  
III  –  internação  compulsória:  aquela  determinada  pela 
Justiça” (Brasil, 2001).

Portanto,  qualquer  pessoa  portadora  de  transtorno  mental  que  se encontre  numa  enfermaria  psiquiátrica  se enquadra numa dessas  categorias: afora  as  judicialmente  determinadas  (compulsórias)  –  casos  nos  quais  a vontade  do  paciente  não  interfere.  Ou  seja,  as  categorias  podem  mudar  ao longo do tempo se o paciente voluntariamente internado pede a alta, se esta lhe for é conferida ou se a internação se torna involuntária. 
Além, disso, o Art. 4 da mesma lei dispõe: 
“A internação, em qualquer de suas modalidades, só será 
indicada  quando  os  recursos  extra-hospitalares  se 
mostrarem insuficientes.
§ 1  -  O tratamento visará, como finalidade permanente, a 
reinserção social do paciente em seu meio.
§  2  -  O  tratamento  em  regime  de  internação  será 
estruturado  de  forma  a  oferecer  assistência  integral  à 
pessoa  portadora  de  transtornos  mentais,  incluindo 
serviços  médicos,  de  assistência  social,  psicológicos, 
ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3  -  É vedada a internação de pacientes portadores de 
transtornos  mentais  em  instituições  com  características 
asilares,  ou  seja,  aquelas  desprovidas  dos  recursos 
mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes 
os  direitos  enumerados  no  parágrafo  único  do  art.  2º” 
(Brasil, 2001).

Chamamos atenção para o próprio texto da lei, acima descrito, quando determina que, qualquer modalidade de internação, ainda que provisoriamente necessária  só  deve  ocorrer  quando  todos  os  recursos  de  base  territorial houverem se esgotado ou se  mostrarem insuficientes. Porém, mesmo quando necessário,  a  internação  jamais  deverá  ser  feita  em  instituições  de  reclusão, que  excluam  o  portador  de  transtorno  mental,  em  qualquer  uma  das  suas formas, do convívio social.
 Além  disso,  alguns  pontos  merecem  destaque:  em  primeiro  lugar,  a necessidade de comunicar o Ministério Público da internação e da alta desses pacientes.  Tal  norma  deve  ser  cumprida  anexando-se  um  “Termo  de Comunicação de Internação Psiquiátrica Involuntária” aos documentos médicos necessários  para  proceder  à  internação.  O  próprio  hospital  se  encarrega  de transmiti-los ao Ministério Público, geralmente via fax, sendo o Diretor Clínico o responsável  técnico  referido  na  lei  (BARROS;  SERAFIM,  2009).  No  contexto potiguar,  a  comissão  responsável  por  fiscalizar  tal  prática  de  notificação encontra-se inoperante, o que não nos permite ter um quadro fidedigno destas práticas de internação involuntária no RN. 
Outro ponto de interesse diz respeito ao fim da internação involuntária. Além do evento de alta médica, do ponto de vista legal,  os responsáveis legais (parentes próximos ou tutores) têm o direto de retirar o paciente   da internação mediante assinatura de termo de responsabilidade pelo “incapaz”. O argumento é  assim:  se  um  indivíduo  tem  a  capacidade  de  discernimento  preservada  (a partir de parâmetros médicos de julgamento acerca da capacidade de ajuizar), ele pode aceitar se tratar ou não (a não ser que isso implique iminente risco de morte).  A  internação  involuntária  existe  em  psiquiatria  porque  tal  capacidade por vezes falta ao paciente. Quando isso ocorre, os responsáveis legais tomam em suas mãos as deliberações sobre a vida dele, analogamente ao caso das pessoas interditadas  (BARROS;  SERAFIM, 2009). O complicador aqui está no caso  das  pessoas  em  situação  de  rua  ficarem  a  cargo  dos  profissionais  de saúde,  pois  não  se  tem  acesso  a  familiares  ou  outros  que  poderiam  se responsabilizar por tal decisão.  
Sabemos que a internação médica psiquiátrica é uma prática necessária em algumas situações relativas a problemas de saúde específicos (como é o caso  das  crises  psicóticas  graves,  quadros  graves  de  intoxicação  ou abstinência  a  substâncias  psicoativas,  entre  outras).  Assim,  a  internação constitui apenas um momento do tratamento e de todo o projeto terapêutico e produção  do  cuidado  ao  usuário  de  drogas  e  ao  portador  de  transtornos mentais.  A história da construção das políticas de saúde no Brasil já mostrou que há outras formas de tratamento que respeitam os direitos e a dignidade da pessoa  humana  e  que  a  internação  em  casos  de  crises  psiquiátricas associadas ou não ao uso de substâncias psicoativas, deve ser de curto prazo. A  atenção  psicossocial  já  mostrou  evidências  de  que  é  mais  eficaz  a  longo prazo, que a formas de internação. 
Tais evidências se fazem  presentes no contexto potiguar. O CRDH tem recebido  relatos  e  denúncias  de  pessoas  em  situação  de  rua  que  foram levadas (ainda não está claro o caráter voluntário ou não destas práticas) por equipes  de  comunidades  terapêuticas  locais  para  serem  tratadas  em isolamento.  O  que  se  sabe,  através  de  relatos  das  próprias  pessoas  em situação  de  rua,  é  que  elas  costumam  passar  algum  tempo  na  comunidade, mas depois de algumas semanas de lá fogem e voltam para a situação de rua e para o consumo de drogas. 
Assim configura-se a situação em que no mesmo dia em que um usuário do  SUS  vem  denunciar  que  foi  atendido  de  modo  agressivo  num  hospital psiquiátrico local por  não ter  encontrado  vaga no CAPS III, assistimos na mídia internações  involuntárias  de  usuários  de  crack6 em  situação  de  rua  nas grandes  cidades  por  dispositivos  estatais  em  nome  da  ordem  social  e atendendo  a  clamores  de  segurança  e  respaldados  por  representantes  dos saberes  médico psiquiátrico.  E aqui, respeitando-se o cuidado aos  usuários, o que está em pauta é que o princípio fundamental da autonomia e protagonismo do  usuário  que  neste  cenário  atual  vem  sendo  destituídos  de  valor  nos discursos  que  sustentam  as  práticas  arbitrárias  de  internação  e  as  diversas formas de violação que enfrentamos. 
Diante deste cenário, constatamos que as violações de direitos humanos das pessoas portadoras de transtornos mentais insistem em acontecer de tal modo que o  aparato jurídico legal  e políticas públicas que deveria evitá-las ou ao  menos  coibi-las  parecem  produzir  ainda  mais  violações,  seja  pelas omissões as violações existentes, seja pelo efeito perverso de um Estado que institui  políticas  chamadas  de  “publicas”  sem  que  sejam  dadas  as  condições necessárias  a  sua  existência  e  efetivo  efeito  na  vida  das  pessoas,  da população  a que se destinam.  Que plano de forças está em pauta e tensiona tal  campo  problemático?  Como  potencializar  o  trabalho  de  enfrentamento  a
essas violações e produção possível de outros cenários?
Considerações Finais
A gente não pode começar essa reunião sem falar na prisão que é o manicômio. Muitas vezes, a gente sai de lá, mas continua lá dentro. Quando  nossos  direitos  não  são  respeitados,  nossa  fala,  nossas 
idéias são jogadas fora. (Dantas, 2013)7

A  voz  desse  usuário  da  rede  de  atenção  psicossocial  em  seu protagonismo nos faz ver e ouvir o fato de que nas práticas e discursos, tanto de resistência/liberdade, quanto de opressão/exclusão, uma cultura manicomial nos  atravessa  e  insiste  nos  modos  como  cotidianamente  nos  subjetivamos 
nesta relação com as diferenças (ALVERGA; DIMENSTEIN, 2006). E, portanto, é  para  tal  cultura  que  precisamos  estar  atentos  de  modo  a  fazer  valer  o respeito, as falas e as idéias deste atores sociais.
As  demandas atendidas no CRDH/UFRN evidenciam claramente que os direitos humanos, tal como  concebidos  em sua essência universal  acabam se voltando  para  aqueles  percebidos  como  “desviantes”.  Outros  modos  de entender a questão dos direitos humanos, a partir do respeito às diferenças,  de múltiplas possibilidades de ser, viver, pensar e querer, ainda são uma ilusão ou mesmo uma utopia  em sentido estrito. Isto porque, como vimos com Foucault(1978),  o  capitalismo,  no  processo  de  normalização  das  populações (biopolítica) produziu as subjetividades para as quais os direitos devem dirigir se  a  partir  da  constituição  da  ideia  de  um  sujeito  universal  de  direitos;  para aqueles  que  fogem  aos  modelos  de  subjetividade  instituídos hegemonicamente,  ao  contrário,  resta  apenas  uma  ilusão  de  participação  e humanismo.  Como,  então,  tornar  possível  a  construção  de  possibilidades  de existir na vida social para a as diversas diferenças no viver? Como interromper essas  repetições  insistentes  e  produzir  novos  modos  de  subjetivação  em 
relação a loucura e resistência aos manicômios?
Coimbra,  Lobo  &  Nascimento  (2009)  nos  oferecem  uma  pista  ao afirmarem que:
Tentar  interromper  as  repetições  do  presente  significa  afirmar  um 
direito e uma humanidade positivada como processos imanentes, não 
definidos,  não  dados  a  priori,  não  transcendentes  e  não  garantidos 
necessariamente pelas leis  –  que vêm se tornando cada vez menos 
jurídicas e cada vez mais normativas. (p. 39)

Entendemos  assim  que  é  preciso  produzir  novos  movimentos instituintes,  novas  normatividades  de  modo  a  “rachar  as  palavras,  rachar  as coisas” que vem produzindo tais  repetições. E fica evidente no contexto atual a necessidade  de  atenção  aos  processos  imanentes  de  normalização  a  que estamos  sujeitos,  tal  como  as  autoras  nos  convocam  a  pensar.  Isto  por  que apesar  do  aparato  jurídico  que  se  conquistou  a  favor  de  um  reforma psiquiátrica  que  apregoa  o  fim  dos  manicômios,  ainda  nos  deparamos  com forças  poderosas  no  cotidiano  que  reproduzem  a  cultura  manicomial,  não  só dentro dos espaços fechados  de tratamento, mas também dentro dos serviços de base territorial, que operam sob a mesma lógica da tutela e infantilização do usuário, como também em muitas instituições  “abertas” (tais como a família, a escola,  a  empresa,  etc.)  que  nos  atravessam  e  nos  capturam,  a  favor  da disciplina,  do  controle,  da  serialização,  de  repetição  de  modos  idênticos  de viver  e  que  nos  atingem  a  todos.  Na  perspectiva  foucaultiana,  podemos reconhecer  que  tais  demandas  são  produzidas  por  diferentes  ordens discursivas que respondem aquilo que não se vê, ou seja, o que se mostra ou o que é dado a ver pela mídia ou nos clamores explícitos da população é um jogo de  forças  que  está  implícito  e  responde  a  certas  relações  de  poder,  que homogeneízam  nossos  desejos, nossos modos  de  ser e  estar no  mundo, de amar, de trabalhar, enfim, de viver.
Não  parece  ser  possível  que  sustentemos  ações  de  direitos  humanos sem  estar  imersos  num  campo  de  tensão  e  de  contradições.  O  campo  de tensão  que  se  coloca  e  se  desdobra  na  atualidade  envolve  as  forças heterogêneas, quais sejam: as forças  de manutenção  do  status quo  político de certo  atores  locais  que fazem parte de oligarquias  que  se  revezam no  poder produzindo  a  descontinuidade  de  programas  e  políticas  públicas;  a  força conservadora da corporação médica que se sustenta na indústria da loucura há décadas no contexto potiguar no qual os psiquiatras da rede de saúde estão ligados a uma cooperativa médica contratada pelo poder público e na qual a formação de psiquiatras ainda se dá exclusivamente no interior dos hospitais psiquiátricos;  a  força  da  indústria  farmacêutica  que  renova  a  cada  vez  sua oferta e a vende para o Estado as medicações, sendo as psicotrópicas aquelas de  maior  custo;  as  forças  de  pessoas  da  elite  política  e  econômica  que precisam fomentar uma cidade higienizada para ser vendida com   o advento de 
grandes eventos (como  os jogos da copa do mundo em 2014). Por outro lado, temos  a  força  de  alguns  movimentos  sociais  e  coletivos  que  resistem  e produzem  pensamento  e  ação  frente  a  tais  forças  e  em  diálogo  com  a sociedade e tentam “fazer furos”  na estrutura macropolítica que historicamente tem se configurado no cenário potiguar.  No entanto, micropoliticamente, como cremos, todos estamos sujeitos a diversas formas de captura e assujeitamento, ou  seja,  estamos  todos  atravessados  pela  cultura  manicomial.  Portanto,  a nossa atenção e  nossas intervenções precisam operar nestes  dois planos ao mesmo tempo.  
Neste sentido, as  intervenções  do CRDH precisam estar pautadas nas contraforças e argumentos antimanicomais que podem nos ofertar os discursos jurídicos,  psicológicos,  psiquiátricos,  antropológicos  e  sociológicos  em  jogo, bem  como  nas  práticas  que  estes  mesmos  saberes  podem  nos  ofertam  no sentido  da  atenção  psicossocial  e  da  reinserção  social.  E,  de  modo  muito perspicaz  e  sutil,  precisam  também  estar pautadas em práticas que  acionem processos  micropolíticos  e  afetivos  de  resistência  e  re-existência  e,  que produzam  novos  modos  de  ser  e  estar  no  mundo,  produzindo  novas sensibilidades para com as diferenças, para com a loucura. E tal produção se faz  experimentado  a  diferença  em  nós,  const ruindo  coletividades  que  nos rovoquem  sempre  outros  modos  de  subjetivação  com  os  quais  possamos estabelecer  relações  de  cuidado  de  si  e  dos  outros.  Para  tanto,  acreditamos que  as  narrativas  do  passado  e  do  presente  que  cotidianamente  escutamos nos  servem  como  ponto  a  partir  do  qual  a  diferença  deve  se  produzir.  Dar visibilidade  e  reconhecer  a  repetição  e  as  formas  de  assujeitamento  que reproduzimos  nos  espaços  coletivos  de  diálogo  e  pensamento  é  o  primeiro passo para a produção de formas mais livres de existir e expandir a vida. 
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1 Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da UFRN, pesquisadora  do  Observatório em Saúde Mental/NESC/UFRN,  membro do Conselho Consultivo do Centro de Referência em Direitos  Humanos  (CRDH/UFRN),  membro  do  Núcleo  de  Estudos  em  Saúde  Coletiva (NESC/UFRN) e do Centro Regional de Referência para Atenção em Álc ool e Outras Drogas (CRR/UFRN).
2 Professora  Associada  do  Departamento  de  Psicologia  da  UFRN,  pesquisadora  do Observatório  em  Saúde  Mental/NESC/UFRN,  supervisora  de  estágio  no  CRDH.  Membro  do GEPEC  (Grupo  de  Estudos  e  Pesquisa  sobre  Exclusão,  Cidadania  e  Direitos  Humanos)  da UFS e do LEV (Laboratório de Estudos da Violência) da UFC.
3 Trecho extraído da Carta aos Diretores de Asilos de Loucos  Trecho de “O Canto dos Malditos” que  foi escrito por Austregésilo Carrano em fins dos anos 1970, ainda que publicado anos depois. 
5 Aqui vale destacar que na ocasião da escrita deste capítulo as duas equipes de Consultório de rua não estavam mais ativas e três equipes de Consultórios  na rua foram selecionadas pela Secretaria  Municipal  de  Saúde  (SMS-Natal)  a  fim  de  substituir  aquelas.  No  entanto,  até  o momento  desta  publicação  as  novas  equipes  ainda  não  estão  trabalhando  por  motivos burocráticos da própria SMS-Natal. 
6 A  internação  compulsória,  como  já  discutido  acima,  deve  ser  a  última  alternativa acionada  numa  estratégia  de  cuidado.  Entretanto,  desde  2010  vimos  assistindo  a  um retrocesso nesse campo, sobretudo  frente às  consequências da possível aprovação do Projeto de Lei nº 7663/2010  do Deputado Federal Osmar Terra, atualmente em tramitação na Câmara dos  Deputados.  Além  de  outras  providências,  tal  projeto  altera  as  disposições  sobre  a internação compulsória,  priorizando a institucionalização  psiquiátrica no tratamento de jovens usuários  de  drogas.  A  respeito  da  matéria  muitas  discussões  emergiram  no  campo  psi, encampadas  principalmente  pelo  Conselho  Federal  de  Psicologia  (CFP),  que  manifesta abertamente  opinião  contrária  à  aprovação  do  PL  nº  7663/2010,  e  ao  seu  Substitutivo, considerando-os  como  graves  ameaças  aos  direitos  civis  dos  usuários  de  drogas, representando um caminho totalmente equivocado  frente ao grave problema  de saúde pública que envolve o uso abusivo de drogas no Brasil  e um descompasso em relação ao que vem se produzindo mais democraticamente em outros países neste campo. (Eker; Lara & Guareschi, 2014) 
7 Maximiliano  Dantas  é  membro  da  Comissão  de  Saúde  Mental  do  Conselho  Municipal  de 
Saúde e este é um trecho de sua fala proferida em audiência pública por ocasião do dia da luta 
antimanicomial, em 18 de maio de 2010. 

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Referências Bibliográficas
ALVERGA,  A.  R.;  DIMENSTEIN,  M..  A  reforma  psiquiátrica  e  os  desafios  na desinstitucionalização da loucura.  Interface  -  Comunicação, Saúde, Educação, v. 10, n. 20, pp. 299-316, jul-dez, 2006.

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COIMBRA, C. Prefácio. In: MENDONÇA FILHO, M. (Org). Educação, violência e polícia: direitos humanos? Salvador/Aracaju: EDFBA/EDUFS, 2004

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DE BARROS, D. M.; SERAFIM, A. P.. Parâmetros legais para internação involuntária no Brasil. Rev Psiq Clín. n. 36, v.4, p175-177, 2009. Disponível em http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/. Acesso em 22 de abril de 2014.

ECKER,  D.  D;  LARA,  L.;  GUARESCHI,  N.  A  internação  compulsória  de adolescentes usuários de drogas e a noção de Economia Política.  Revista da ABRAPSO - Associação Brasileira de Psicologia Social, 2014 (no prelo)

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______  Estratégia,  poder-saber.  Rio  de  Janeiro:  Forense  Universitária,  2003 
(Col. Ditos e escritos, v. 4). 

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