SALVE SUS
Após 25 anos de mais distorções que avanços na implementação
do modelo “SUS”, além do drástico subfinanciamento, parece haver consenso que
os desafios mais estratégicos e decisivos sejam os de efetivar simultaneamente:
a)uma Atenção Básica-AB de fácil acesso incluindo a classes
trabalhadoras/Centrais Sindicais e camadas médias, com qualidade e alta
resolutividade, e b)regionalização das ações e serviços da atenção integral á
saúde com gestão interfederativa. Constatamos que os gestores descentralizados,
os trabalhadores de saúde e os conselhos de saúde intensificaram rica
acumulação de esforços e experiências nos últimos 25 anos: na AB, na média e
alta complexidade e na vigilância, assim como no pacto interfederativo nas
comissões Intergestores CIT, CIBs e mais recente, CIRs . Cremos que há
condições seguras para que a elevação por etapas do financiamento federal do
SUS seja vinculada á implementação da diretriz constitucional da
Regionalização: uma pactuação de elevação da contrapartida federal por etapas
além do mínimo estabelecido na Constituição. Desafiando o discurso do
“EMBUSTE”: para cada meta/etapa do nosso projeto de implementação do SUS
demonstraremos publicamente onde colocamos cada tostão e qual o resultado para
os direitos da população.
Em outras palavras: em cada Região de Saúde-RS os gestores e
conselhos de saúde-CS elaborarão um projeto consistente de planejamento
ascendente de implementação da AB de qualidade, das redes regionais de cuidados
integrais e respectivos custos, com as responsabilidades municipais, estaduais
e da gestão regional, assim como da avaliação custo-efetividade e resultados
com os CS e a população. O financiamento federal será crescente por etapas até
um parâmetro a ser pactuado como as %s dos entes federados na retenção dos
tributos ou mete de per-cápita público. Será imperiosa a efetiva implementação
de dois dispositivos da Lei 141/2012: a)art. 30- dispõe sobre o planejamento e
orçamentação ascendentes segundo as necessidades em cada RS segundo seu perfil
epidemiológico, demográfico e sócio-econômico, acompanhado das respectivas
metas anuais de atenção integral e seus custos. A pactuação intermunicipal deve
levar ao plano e metas regionais, que por sua vez, levarão ao plano e metas
estaduais e estes contemplarão a
construção da equidade inter-regional. Os planos e metas estaduais levarão ao
plano e metas nacionais que contemplarão a construção da equidade
interestadual. Um dos papéis centrais dos conselhos nas três esferas é o de
debater e deliberar as prioridades nos gastos, conscientes de que o não
prioritário e o não gasto significa postergação de direitos á saúde, e b)art.
17, 18 e 19- dispõem sobre o rateio equitativo dos repasses federais e
estaduais, segundo as necessidades da população, as dimensões epidemiológica, sócio-econômica,
espacial e da capacidade instalada para oferta de ações e serviços públicos de
saúde(em relação aos Estados, acrescentando a redução das desigualdades
regionais). Destacam ao final a obrigação das transferências se realizarem
fundo a fundo e automaticamente.
Quanto á gestão no SUS com decisões de gestão mais próximas
da participação democrática ao nível local e regional, penso que devemos nos
precaver tanto contra a pulverização/dispersão/descontrole “anti-SUS” dos
recursos alocados nos Municípios entre si e Estados, como também contra o
centralismo/burocratismo/cartorialismo históricos também “anti-SUS”ao nível
federal que desconsidera e atropela as realidades e necessidades
loco-regionais. Cremos ser mais realista: a) não ser aumentado ao nível federal o já elevado poder de gestão, seja
pela administração direta ou indireta, mas sim a sua capacidade de convivência,
negociação e pactuação entre os entes federados, visando gerar diretrizes
nacionais realistas e consistentes para as responsabilidades e competências das
três esferas e consequente avaliação e controle, e b) conferir ás RS
responsabilidades e competências de gestão expressamente pactuadas e delegadas
pelos entes federados envolvidos(expressadas na CIR e CMSs), visando a
implementação das diretrizes nacionais(CIT/CNS), estaduais(CIB/CES) e regionais(CIR/CMS da RS), sem que a gestão
regional se sobreponha tornando-se na saúde um
4º ente federado. Vale lembrar
que é na RS, a menor célula do sistema, que pode ser ofertada a atenção integral
á saúde segundo as realidades sociais, epidemiológicas, culturais e dos
direitos da população, tão diversos no território nacional. Vale também lembrar
que esse debate e construção só terá condições de desenvolvimento consistente,
no processo do debate participativo do MRSB, os COSEMS, CIRs, CMS, CONASEMS,
CES, e CONASS.
Os recursos federais adicionais seriam alocados junto aos
existentes, atrelados á realização das metas de construção do “modelo SUS” na
RS. Vale lembrar que as 450 RS estimadas no território nacional são
extremamente diferenciadas entre si quanto ás atuais condições e prazos para desenvolver os projetos e metas
para os sistemas regionais de saúde com consistência, eficácia e eficiência, o
que resulta em cronograma nacional de construção complexa, cuidadosa e democrática, com menor número de RS iniciais e as demais
em prazo médio e maior. Em relação ao investimento vale citar a estimativa de
Ivan B. Coelho em 2012: com empréstimos subsidiados e facilitados do BNDES e
BIRD para empresas públicas e privadas, o SUS poderia em 8 anos ampliar sua
capacidade instalada pública em 200 hospitais regionais, 500 policlínicas
apoiadas por serviços de diagnóstico e terapia e 600 UPAs.
Na gestão dos RH do SUS, lembramos que o pessoal terceirizado
para entes privados fornecedores de RH nas três esferas(a maioria precarizada),
soma(a confirmar) mais de 60% da força de trabalho no SUS. Sob o compromisso da
publicização e da queda da limitação da LRF, convimos que a continentalidade e
marcantes diversidades estaduais e
loco-regionais não recomendam carreira única nacional, mas sim diretrizes
nacionais claras debatidas e aprovadas na CIT e CNS, ouvidas as CIBs e CESs. As diretrizes nacionais, visando os concursos
e outros processos seletivos públicos, o quadro de pessoal, as carreiras, a
remuneração justa e atrativa, a educação permanente e o preenchimento das
funções de direção e assessoria por quadros de carreira, deverão guardar margem
de adequações para as realidades de cada Estado, visando a fixação e
restringindo a evasão de pessoal. As diretrizes estaduais claras e debatidas e
aprovadas na CIB e CES, sob o mesmo processo guardarão margem de adequação ás
realidades das RS, e por final as diretrizes regionais, seguiriam as nacionais,
as estaduais e seriam aprovadas na CIR e CMSs, sempre visando a adesão,
contratação e fixação dos profissionais na RS e no município. Permanece a busca
de definição do limite da população municipal para a exigência de moradia(e não
fixação) para profissionais de nível superior: acima de 5.000? 10.000? 20.000?
Abordaremos no final a questão da
autonomia do ente federado e a aprovação e cumprimento das diretrizes e da
gestão de pessoal.
A gestão pública da RS e das unidades de saúde mais
complexas deve dispor de instrumentos eficientes e ágeis que garantem eficácia
e boa relação custo-efetividade, basicamente em relação aos concursos públicos,
lotação de pessoal e processos licitatórios, com pena de constituir importante
fator de repressão de demanda em todos os níveis. Para tanto deverão possuir
autonomia gerencial e orçamentária sob o regime da administração pública
indireta na forma do Art. 37 da CF, por meio de criação em Lei que exclua da
autonomia os atos, procedimentos e
vantagens do mercado(no caso das fundações e empresas públicas que acessam
procedimentos do Direito privado, a Lei que as cria pode ou não facultar acesso
a procedimentos do mercado).
Tanto as diretrizes aqui sugeridas para a gestão dos RH,
como para a gestão regional e de unidades mais complexas, estão sujeitas a
serem aprovadas em Lei ou até em PEC, visando assegurar a)o caráter
estritamente público da gestão, e b)o desenvolvimento do pacto federativo na
implementação do modelo”SUS”. Se o SUS
já foi tão descaracterizado com as recentes PEC-358/2013, MP-619/2013, e
MP-656/2014 sob pressão do mercado, porque não poderia ser contemplado com PEC
e/ou PL sob pressão do MRSB, da militância “SUS” e dos movimentos sociais pelos
direitos de cidadania?
* Nelson Rodrigues dos Santos é graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo (1961) e Doutorado em Medicina (Medicina Preventiva) pela Universidade de São Paulo (1967). Especialização em Saúde Pública (Faculdade de Saúde Pública da USP). Foi Professor Titular de Saúde Coletiva na Universidade Estadual de Londrina, Consultor da OPAS/OMS, Professor de Medicina Preventiva e Social da Unicamp,Membro titular de 36 bancas examinadoras de Teses de Doutorado,de22 de Mestrado e de 26 concursos públicos. Publicou 66 artigos e capítulos em revistas e livros nacionais. Assumiu funções de direção no Sistema Público de Saúde, nos níveis municipal, estadual e nacional. Atualmente é Professor colaborador da Universidade Estadual de Campinas e presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado ( IDISA), atuando principalmente nas seguintes áreas: Desenvolvimento do Sus, do controle social e das Políticas Públicas na área social.
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