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OS CONSELHOS DE SAÚDE NO CONTEXTO DO ATAQUE RECENTE À
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Francisco R. Funcia

Um balanço do período de quase um mês do atual governo interino da União (12 de maio
a 09 de junho de 2016) aponta para um fato inédito: nunca e em tão pouco, a história
econômica e política do Brasil a partir de 1988 registrou tantas idas e vindas de decisões e
de anúncios de medidas governamentais, inclusive que afrontam a Constituição Federal e
os direitos sociais nela inscritos, como a Seguridade Social e o Sistema Único de Saúde
(SUS). Se no início de um outro hipotético governo, fosse anunciada a intenção de auditar
a dívida pública e revisar os termos de sua contratação, haveria uma gritaria dos setores
conservadores da sociedade, dos rentistas e da mídia contra o que chamariam de
“rompimento de contrato”; mas, por que esses mesmos setores conservadores não
reagiram nestes últimos trinta dias ao anúncio de “rompimento” do principal contrato
firmado com a sociedade brasileira, que é a Constituição Federal (CF)?
Não há dúvida de que está em curso um processo de desmonte de políticas sociais
construídas por vários governos a partir da promulgação da CF em 1988. Esta é a primeira
vez que há uma avalanche conservadora para redução de direitos sociais inscritos na CF,
redução de direitos que não foi apresentada previamente à sociedade (estas propostas
anunciadas pelos novos ministros não foram debatidas durante uma campanha eleitoral).
O que está sendo anunciado em menos de trinta dias de governo interino representa o
desmonte da seguridade social (saúde, assistência e previdência social) e de outras
políticas sociais que interferem nas condições de saúde da população. As consequências
negativas da implantação disso tudo que está sendo anunciado será um retrocesso de
quase trinta anos da nossa história
Quando o novo titular da pasta da Saúde, em perfeita sintonia com a área econômica do
governo, anunciou ao tomar posse que não haveria um centavo a mais para o orçamento
destinado às ações e serviços públicos de saúde em 2016, endossou em certa medida a
entrevista do atual Ministro da Fazenda e Previdência (sim, agora a Previdência pertence
à Fazenda) sobre a necessidade de rever as atuais regras estabelecidas na Constituição
Federal para o cálculo da aplicação mínima (“piso”) em saúde e educação, de modo a
estabelecer um “teto” (limite máximo) para essas despesas, que ficariam limitadas à
variação anual da inflação.
Endossou também a opinião de outros integrantes ou apoiadores do atual governo interino
sobre a necessidade de redução dos gastos sociais ao afirmar que “nós não vamos conseguir
sustentar o nível de direitos que a Constituição determina” (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/05/1771901-tamanho-do-sus-precisa-ser-
revisto-diz-novo-ministro-da-saude.shtml Acesso em 09/06/2016) como resposta à
pergunta formulada de que seria preciso mudar a Constituição Federal porque a saúde é
um direito universal. Registre-se que ele recuou a respeito da necessidade de rever o
tamanho do SUS (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/05/1772095-ministro-da-
saude-recua-e-diz-que-nao-pretende-rever-tamanho-do-sus.shtml Acesso em
09/06/2016), mas não recuou em relação a outra afirmação feita naquela entrevista de que
“quanto mais gente puder ter planos [de saúde], melhor, porque vai ter atendimento
patrocinado por eles mesmos, o que alivia o custo do governo em sustentar essa questão.”
Diante da grave crise fiscal em curso desde 2015, decorrente, de um lado, da irresponsável
oposição política conservadora capitaneada pelo Congresso Nacional e por alguns partidos
de oposição ao governo reeleito, e de outro lado, com a adoção de uma equivocada política
econômica recessiva a partir de janeiro/2015, no início do segundo mandato da Presidente
Dilma, sob o comando do então Ministro da Fazenda Joaquim Levy, foram anunciadas
nestes últimos trinta dias medidas que priorizaram a redução dos gastos sociais em geral,
e da Seguridade Social e do SUS em particular, o que poderá comprometer as condições
de saúde de 204 milhões de brasileiros, sendo que pouco ou nada é dito em relação ao
aumento da receita mediante uma reforma tributária que onere aqueles que têm maior
capacidade de pagamento ou em relação à renúncia de receita (ou gasto tributário), que
totaliza cerca de R$ 300 bilhões/ano, cujo efeito atingiria na maioria dos casos apenas
alguns milhares de pessoas.
Somente no âmbito do SUS, essa renúncia de receita está estimada em R$ 25 bilhões/ano,
segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apresentado na
semana passada, a maior parte decorrente da dedução integral dos gastos privados em
saúde (inclusive planos de saúde) da base de cálculo para apuração do imposto de renda a
pagar. O desrespeito à Constituição Federal também se manifesta no fato de que, ao
anunciar que seria preciso reduzir o tamanho do SUS ou às prioridades que pretende
adotar, o ministro desrespeitou o princípio constitucional de participação da comunidade
vigente no SUS ao não tratar destes temas previamente com o Conselho Nacional de
Saúde.
Os Conselhos de Saúde são definidos pela Lei 8142/90 (Artigo 1º, parágrafo 2º) como “órgão
colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de
saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de
saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas
decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do
governo”.
Nos termos da Lei Complementar nº 141/2012 (Artigo 30, parágrafo 4º; e Artigo 36,
parágrafo 2º), os Conselhos de Saúde deliberam tanto sobre as diretrizes para o
estabelecimento de prioridades que estarão presentes no Plano de Saúde, no capítulo da
saúde inscrito no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na
Lei Orçamentária Anual, como em relação à Programação Anual de Saúde (PAS).
Portanto, os Conselhos de Saúde são instâncias do SUS (constitucional e legalmente
definidas) com autonomia e independência de atuação em relação ao gestor. A obrigação
do gestor em garantir a sua estrutura administrativa de funcionamento não transforma os
Conselhos de Saúde em “órgãos do governo”, nem autoriza a ingerência do gestor, a ponto
de nomear ou exonerar assessores que não sejam decisão soberana dos próprios
Conselheiros de Saúde (lembrando que há representação dos gestores no Conselho e é
nessa condição que eles podem se manifestar).
A concepção de Estado presente nos princípios constitucionais da Seguridade Social, da
qual o SUS faz parte, está para além da estruturação em vigor atualmente: ainda temos um
aparelho de Estado excessivamente centralizado e hierarquizado, no qual a
descentralização e o controle social ainda não estão plenamente presentes nos fluxos de
processos de trabalho e nos procedimentos intra e intergovernamentais.
Por isso, precisamos resistir neste momento para defender a Constituição Federal de 1988
dos ataques daqueles que pretendem que haja um retrocesso das conquistas sociais
duramente alcançadas pela maioria da população brasileira. Os Conselhos de Saúde não
pertencem a ninguém em particular, mas sim a toda sociedade; o SUS e a Seguridade Social
são patrimônios do povo brasileiro, duramente conquistados após muitos anos de lutas
contra a ditadura militar e em prol da democracia.

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