Mesmo sendo uma matéria de 2015 vale a pena a leitura.
“SUS não veio
dos políticos, foi uma conquista da sociedade civil”, afirma pesquisador
Por Redação
4/09/2015
Em entrevista ao Sáude Popular,
Jairnilson Silva Paim, professor da UFBA e militante da reforma sanitária,
analisa os 25 anos do Sistema Único de Saúde e os desafios postos para a área.
Da Redação
O Sistema Único de Saúde (SUS)
completou 25 anos no dia 19 de setembro. Conquista da Constituição de 1988, o
SUS foi regulamentado na lei 8080/1990 e desde então já atendeu milhões de
pessoas. Apesar disso, as críticas à saúde pública sempre estão presentes na
imprensa.
O professor titular do Instituto de
Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia Jairnilson Silva Paim reforça a
importância do sistema nesse um quarto de século e os avanços que ele
representou na sociedade brasileira, como a ampliação da atenção básica,
redução da mortalidade infantil e aumento da expectativa de vida da população.
Paim critica, porém, que o SUS tenha
sido usado politicamente como “moeda de troca para articulações políticas.” “
Os governos foram mais adversários do SUS que outras instâncias da sociedade
brasileira.”
No atual cenário de crise político,
Paim também criticou a possibilidade de alterações na condução do Ministério da
Saúde e os nomes cogitados para assumir a pasta:
Acompanhe a entrevista na íntegra:
– Qual era o cenário da saúde pública
brasileira antes do SUS?
Basicamente, o país enfrentava uma
crise do sistema de saúde, na medida em que ele era insuficiente, mal
distribuído, inadequado, ineficiente e ineficaz.
Ele era centralizado, autoritário e
corrupto. Esse sistema foi sendo estruturado ao longo do século 20, que na
realidade não era um sistema, mas uma organização caótica, que de um lado tinha
os serviços estatais, principalmente por parte do Ministério da Saúde e
secretarias municipais de saúde, e a previdência social, mediante o Inamps
(Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) e de outro
lado tinha um sistema de saúde privado, baseado em medicina de consultório, com
médicos particulares, mas também com o crescimento do empresariamento da medicina
mediante empresas médicas, clínicas particulares que faziam convênios com o
Inamps e viviam mediante pagamento por unidade de serviços, que para alguns que
estudavam o sistema na época era um fator incontrolável de corrupção.
O sistema privado na época dependia
muito do setor público, porque vendia serviços pra ele. Eram poucas as clínicas
privadas que podiam sobreviver sem vender serviços pro Estado. E nesse período
já estava começando a se desenvolver o que chamamos de planos de saúde.
– O que significou a garantia de saúde
para todos na Constituição?
Essa conquista não veio dos políticos
eleitos para elaborar a Constituição. Ela vem da sociedade civil, dos
movimentos sociais que combateram a ditadura, defenderam o direito à saúde como
um direito vinculado à cidadania, que propunham um sistema de saúde de caráter
público, sob a responsabilidade do Estado. Daí a ideia de que “saúde é um
direito de todos e um dever do Estado”.
Esse sistema devia ser descentralizado,
integral e participativo. Esse sistema estar na Constituição é resultado de um
amplo movimento que chamamos de reforma sanitária brasileira, que se organizou
nas décadas de 70 e 80.
Muitas pessoas pensam que o SUS é obra
de um governo, partido ou mesmo do Estado. Sempre reitero que, historicamente
se demonstra que essa ideia surgiu da sociedade civil, não do Estado.
– Quais as principais conquistas desses
25 anos?
Conseguimos ampliar a atenção básica
para praticamente 100% da população brasileira; garantimos imunização e
controle de um conjunto de doenças transmissíveis, reduzimos drasticamente a
mortalidade infantil, aumentamos a expectativa de vida da população, há uma
oferta de serviços mais complexos, como transplantes para cirurgias cardíacas
(quase 90% feitos pelo SUS), ampliamos ciência e tecnologia na área da saúde,
formamos milhares de recursos humanos para gestão e atenção do sistema.
Há muitos fatos que podem ser registrados nas conquistas do SUS. Entretanto, muitas derrotas ocorreram nesse período, mediante ações dos sucessivos governos que sabotaram a Constituição de 1988, no que se refere ao direito à saúde.
– Que derrotas foram essas?
Há muitos fatos que podem ser registrados nas conquistas do SUS. Entretanto, muitas derrotas ocorreram nesse período, mediante ações dos sucessivos governos que sabotaram a Constituição de 1988, no que se refere ao direito à saúde.
– Que derrotas foram essas?
Particularmente no que diz respeito à
implosão da concepção de seguridade social que se encontra na Constituição, e a
forma com que os governos trabalharam a questão do financiamento,
subfinanciando o SUS, e nas relações públicos privadas, onde os governos
privilegiam muito mais a organização e estruturação do setor privado do que o
estímulo ao SUS.
Os governos tem sucessivamente usado o
SUS como moeda de troca para articulações políticas, cargos de comissão, mas
não como política de Estado. Em outras palavras, os governos foram mais
adversários do SUS que outras instâncias da sociedade brasileira.
– O SUS tem sofrido diversos ataques
políticos e econômicos nos últimos meses. Ele já está consolidado ou corremos o
risco de retrocessos?
Os riscos de retrocessos sempre
existem, mas não acredito que tenham como perspectiva a extinção do SUS. O que
pode ocorrer é um SUS completamente distinto do que está assegurado na
Constituição e nas leis. É um SUS tão desidratado, tão desfigurado, que é
possível que as pessoas nem o identifiquem como SUS.
– Quais os próximos desafios do SUS?
Como você vê o SUS daqui a 25 anos?
Tudo depende muito das lutas da
sociedade brasileira. Eu imaginava que depois de 2013, nós pudéssemos retomar
muitas das bandeiras e teses, porque muitos dos jovens que foram para as ruas
defendiam serviços públicos de saúde e educação de qualidade. Mas de 2013 pra
cá o país passou por um processo muito complexo, e muito do que foi apresentado
então foi diluído dentro desse Congresso que foi eleito, e dentro da situação
da instabilidade política pela qual passa o país.
O SUS, para se desenvolver e ter um
caráter que atenda às necessidades da população, requer desenvolvimento
econômico, social e ambiental sustentável. Se o Brasil enquanto um país entra
em recessão e não cresce, isso vai rebater no SUS.
A questão de um financiamento estável e
de organização de uma instituição como o SUS protegida de interesses
partidários e imediatistas criaria um cenário mais favorável ao SUS.
Nenhum país do mundo tem um sistema de saúde decente se as forças da sociedade não lutarem por ele. Não basta ter uma lei, uma Constituição se a sociedade não se mobilizar pelo serviço público.
Nenhum país do mundo tem um sistema de saúde decente se as forças da sociedade não lutarem por ele. Não basta ter uma lei, uma Constituição se a sociedade não se mobilizar pelo serviço público.
– Como os grandes conglomerados de
saúde e planos de saúde afetam o SUS?
Esses planos são estimulados pelo
Estado através de políticas de liberação de pagamento do imposto de renda para
quem usa plano de saúde e subsídios de renúncia fiscal. Essas empresas não
foram estruturadas só pelas leis do mercado, tiveram contribuição do Estado
para crescer e se manter.
Enquanto o Estado reduz o financiamento
público, ele não regula o setor privado. Então vivemos o pior dos mundos:
subfinanciamento do público e subregulação do privado.
Esse é o caos que vivemos hoje, que faz
com que a população sofre tanto no atendimento público como no privado.
– Como você avalia esses programas mais
recentes, como o Mais Médicos, a alteração que vem sendo feita no currículo dos
cursos de medicina e a Saúde da Família?
São iniciativas defensáveis, mas
extremamente insuficientes diante da complexidade do perfil epidemiológico da
população, e da própria estrutura do sistema de saúde em uma sociedade tão
desigual como a nossa.
São medidas que tem um certo sentido, mas inteiramente aquém dos grandes desafios e obstáculos postos pelo SUS.
São medidas que tem um certo sentido, mas inteiramente aquém dos grandes desafios e obstáculos postos pelo SUS.
– Existe a possibilidade de mudanças na
condução do Ministério da Saúde, com o governo entregando a pasta ao PMDB. Como
avalia isso?
Vivemos um dia que expressa muito do
que estamos conversando. O governo, diante das negociações com o Congresso, resolve
rifar o Ministério da Saúde justamente para forças conservadores que tem
comprometimento com o setor privado e não com o desenvolvimento do SUS.
Esses candidatos a ministro que estão
sendo cogitados não têm história nem o compromisso com o SUS.
Crédito Foto: Abrasco
Crédito Foto: Abrasco
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