Desafios
para os prefeitos na área da saúde – por Gastão Wagner de Souza Campos
'Uma medida simples: a eliminação da
maioria dos cargos de confiança no SUS reduziria a patrimonialismo e protegeria
o SUS da lógica partidária'
'Em minha opinião, a prioridade em saúde diz
respeito à extensão, para pelo menos 80 % dos munícipes, da Estratégia de Saúde
da Família' - Le Monde
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O Le Monde Diplomatique Brasil
colocou em evidência a discussão sobre “Os desafios para os próximos
prefeitos” e convidou o presidente da Abrasco, Gastão Wagner de Souza Campos,
para tratar do assunto Saúde. O que esperar dos prefeitos nesse âmbito, quais
são os maiores problemas a serem enfrentados, o que eles não devem fazer, onde
se tem acertado e por quê? – Gastão Wagner respondeu a estas e outras questões
no artigo “Desafios para os prefeitos na área da saúde”, publicado no início
deste mês de setembro. Confira o texto na íntegra:
Desafios para os prefeitos na área da
saúde
Gastão Wagner de Souza Campos
Prefeitos
e Secretários de Saúde se encontram em uma situação bastante delicada diante da
variedade de agravos sanitários que o Brasil vem sofrendo. Tanto a população
quanto parcela importante da mídia tendem a responsabilizá-los pelos problemas
sanitários, isentando a União e estados da corresponsabilidade sobre o Sistema
Único de Saúde (SUS). Nossa legislação não define claramente o papel dos entes
federados em relação ao financiamento e à prestação de serviços de saúde.
Nos
últimos anos, houve aumento dos gastos municipais com o SUS, chegando a um
ponto em que a maioria dos municípios investe mais do que o limite mínimo legal
de 15% do orçamento municipal. Entretanto, este crescimento não foi suficiente
para resolver epidemias e falhas assistenciais.
Acredito
que se deveria aproveitar o período eleitoral para se discutir abertamente com
a sociedade sobre a crise sanitária e sobre a importância do SUS. Os candidatos
à prefeito necessitam apontar em suas plataformas estratégias para
enfrentamento dos agravos sanitários, explicitando a impossibilidade das
cidades alcançarem bons resultados sem o concurso continuado do Ministério e
das Secretarias de Estado da Saúde.
O
SUS tem padrões de financiamento e de gestão inadequados. O investimento
federal e dos estados já é insuficiente e, a depender das contrarreformas
propostas pelo governo interino, este quadro tenderá a se agravar. Em Nota
recente o Conselho dos Secretários Municipais de Saúde de Pernambuco indica um
caminho ao defender o SUS: “ … os secretários e secretárias municipais de saúde
de Pernambuco diante de graves ameaças que pairam contra o SUS se sentem no
dever cívico de mobilizar toda a sociedade em defesa da mais avançada política
pública de saúde. Política esta que precisa de mais recursos para
progressivamente melhorar e atender às necessidades da nossa população”.
A
governança do SUS é baixa principalmente em decorrência da fragmentação do
sistema em vários pedaços com baixo grau de integração. Os prefeitos estarão
obrigados a lutar por maior aporte de recursos financeiros, mas também pela
diretriz da Regionalização. A Região de Saúde será um instrumento capaz de
integrar o financiamento, o planejamento e gestão de recursos entre os vários
entes federados. Esta desarticulação explica tanto nosso fracasso no controle
de epidemias como também a existência de empecilhos ao acesso, já que grande
parte da rede hospitalar e de urgência do SUS é estadual e a maioria dos
municípios realizam apenas atenção básica e vigilância em saúde.
Em
minha opinião, a prioridade em saúde diz respeito à extensão, para pelo menos
80 % dos munícipes, da Estratégia de Saúde da Família. Todos os países que têm
Sistemas Nacionais de Saúde, ao modo do SUS, tem mais de 90 % de sua população
inscrita em equipes de atenção primária com capacidade de realizar prevenção e
atendimento clínico. Este projeto somente será viável com maior envolvimento da
União e dos estados.
O
Programa Mais Médicos é uma comprovação desta tese. Este programa expandiu, em
pouco tempo, a cobertura da atenção primária no Brasil em 35%, o que somente
foi possível graças a ação direta do Ministério da Saúde sobre o provimento e
formação de médicos. Este Programa tem recebido apoio forte da maioria dos
Prefeitos. Ele deve ser aperfeiçoado, criando-se um Fundo Nacional para
Financiamento da Atenção Primária com contribuições da União, dos estados e dos
municípios. Isto permitiria a constituição de uma carreira nacional para a
atenção primária, já que médicos, enfermeiros e outros profissionais seriam
contratados pelo SUS e escolheriam os municípios e equipes onde trabalhariam
conforme classificação em concursos públicos. As aposentadorias passariam a
depender deste Fundo Nacional e não mais das prefeituras. Os municípios
sozinhos não conseguirão implementar uma atenção básica de qualidade para o
país.
Em
segundo lugar, as plataformas eleitorais devem apontar a necessidade de
assegurar acesso aos serviços hospitalares, de urgência e especializados para
todos que deles necessitarem. Fazer regulação das filas, assegurando
atendimento conforme risco de cada caso, de maneira ágil e desburocratizada.
Esta diretriz também não poderá ser alcançada por cada cidade isolada. A rede
hospitalar e de serviços de médica complexidade deverá obedecer a lógica da
regionalização. Integração de todos os hospitais ligados ao SUS –
universitários, estaduais, municipais e contratados – em redes regionais com
financiamento, planejamento e operação integrados; em geral, atendendo a mais
de uma cidade.
Outra
prioridade é a Saúde Pública. Os prefeitos devem apresentar estratégia para
enfrentamento das Dengue, Chikungunya e Zika. Mais uma vez, um projeto
compartilhado, de caráter regional, que exija do Ministério da Saúde e das
Secretarias de Estado maior protagonismo e gestão integrada de recursos e das
ações. Ainda há 42% dos domicílios sem acesso a esgoto. Há um programa para
ampliar esta cobertura mediante o investimento de 15 bilhões de reais/ano
durante cinco anos consecutivos. A epidemia de Dengue tem na falta de
saneamento um dos seus fatores determinantes.
A
violência proveniente do crime organizado, narcotráfico; a violência doméstica
contra crianças, mulheres e idosos é um desafio. A sociedade brasileira não
suporta a naturalização deste estado de coisas. Os prefeitos precisam se
comprometer com a cultura de paz e com ações concretas que articulem segurança
pública, educação, saúde e assistência social.
A integração entre o SUS e as Escolas Públicas é fundamental. O clima de violência e de dificuldades de aprendizado tomou conta de grande parte da escola, lidar com este sofrimento de forma efetiva e humanizada exigirá novos formas de abordagens destas quebras na sociabilidade.
A integração entre o SUS e as Escolas Públicas é fundamental. O clima de violência e de dificuldades de aprendizado tomou conta de grande parte da escola, lidar com este sofrimento de forma efetiva e humanizada exigirá novos formas de abordagens destas quebras na sociabilidade.
Os
prefeitos devem dar transparência à utilização do orçamento. A capacidade de
gestão urbana no Brasil está em declínio. Grande parte do orçamento das cidades
é gasto com serviço da dívida.
Precisamos
restaurar a capacidade de governo da cidade centrado nas pessoas e na
sustentabilidade. Cidade para as pessoas: áreas verdes, urbanização de bairros
degradados, áreas de lazer, de esporte. Prioridade ao pedestre e não aos
automóveis; primeiro, transporte público.
A
maior parte destas reformas sociais sugeridas não terá viabilidade política e
cultural se não houver compromisso de se realizar importante mudança no modo
como se faz gestão pública no país.
Um
compromisso central é com o incentivo a institucionalização de formas de
democracia direta e de participação cidadã. Uma nova cultura para a gestão
pública no Brasil. Uma medida simples, a eliminação da maioria dos cargos de
confiança no SUS reduziria a patrimonialismo e protegeria o SUS da lógica
partidária. Instituir seleção pública para todos cargos de direção de serviços
e de programas de saúde seria um excelente indicador dessa disposição.
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